No final de agosto e até meados da segunda quinzena de setembro eu e Ricardo fizemos uma viagem incrível pela Patagônia – tanto a Chilena quanto a Argentina. Começamos em Punta Arenas no extremo Sul do Chile aonde ficamos por dois dias e seguimos para Puerto Natales para entrar em Torres Del Paine. Eu vou contar aqui as minhas experiências pessoais e impressões sobre esse dia, post com informações sobre lugares, aonde ir, aonde comer eu deixo para os blogs de viagem porque garanto que já fazem isso muito melhor do que eu.
O extremo sul da nossa América do Sul é um dos lugares mais selvagens do planeta. E só para título de informação: a região da Patagônia é dividida entre a Argentina e o Chile e abrange 1/3 do território dos dois países. Em números, isso quer dizer que são quase 800 mil km² de natureza selvagem e paisagens incríveis de tirar o fôlego. Torres Del Paine faz parte da Patagônia.
Torres Del Paine foi a nossa porta de entrada pro tipo de viagem que buscamos dessa vez e eu vou contar aqui como foi o meu dia nesse Parque Nacional que é um dos mais desejados do mundo. Antes de tudo, vale mencionar que fomos na época que é fora de temporada – ou seja – inverno. Isso porque Torres Del Paine é full open de Outubro em diante – no auge da primavera – quando o clima está mais firme, a neve já derreteu o bastante e sendo assim as caminhadas ficam mais fáceis. A gente fez o único trecho que estava aberto no momento (e fui saber depois que era a perna do “W” mais difícil) e fechamos com uma agência de trekkings em Puerto Natales porque nessa época do ano ainda não se pode ingressar ao parque sem um guia.
Fomos em um grupo no total de 7 pessoas + 2 guias e foi o único dia que havia uma janela de clima aberta pra poder visitar, e isso é muito importante porque se em Puerto Natales – que é a cidade colada ao parque é um clima, pode ter certeza que em Torres Del Paine é outro completamente diferente – o que de certa forma isso deixa tudo meio que imprevisível, ainda mais no inverno. Lembrem: estamos no extremo sul, no meio da natureza selvagem e INVERNO. Nosso trekking foi de 22 quilômetros – contando com ida e volta e com todos os equipamentos necessários: bastão de trekking, crampones (que eu nunca havia usado na vida), fornecidos pela agência.
E agora eu vou ser bem sincera com vocês: pra mim não foi nada fácil. As 4 primeiras horas foram de chuva ininterruptas. Não era uma chuva forte, mas chuva é chuva e molha da mesma forma. Logo de início já teve muita subida por um terreno bem acidentado, com muitas pedras e lama, mas ok, você está com bastões de trekking, caminhando o corpo não esfria, e consegue manter um ritmo mesmo com um guia in loco que está na frente puxando o grupo, como se só ele estivesse fazendo o trajeto e isso me deixou meio puta, mas eu vou falar disso mais tarde.
Fizemos uma parada rápida para tomar uma água, comer um lanche, tomar mais chuva e colocar os crampones nas botas (ao menos no inverno, nunca cogite ir de tênis pra um lugar como esse, precisa ser botas de trilha, aliás eu nem cogitaria tênis em nenhuma época pra esse tipo de trekking). Continuamos: passamos primeiro por um bosque que estava coberto de gelo – uma das paisagens mais impressionantes e perfeitas que já vi na vida, mas como disse: estava tudo coberto de gelo e pra quem nunca usou um par de crampones na vida, não há treino de academia que te prepare pra isso. Mas fui. Depois de um tempo você adquire mais confiança e até esquece que está com eles nos pés. Passado o bosque, a chuva continuou, porém mais branda, só que dali em diante foi um sobe e desce de trilhas que não tinha mais fim, era como uma montanha russa com o plus de gelo, chuva e lama.
Apesar de uma paisagem deslumbrante, eu já estava muito, muito cansada nesse trecho. Estava com dificuldade nas subidas e de firmar meus pés no gelo (veja bem, não era neve, era aquele gelo duro, era um passo pra frente e dois pra trás) e meu corpo começou a me cobrar – isso foi, se eu bem me lembro, com 4 horas de caminhada intensa. Quando chegamos mais ou menos no ultimo trecho que era uma subida bem íngreme (de uns 800 metros), bem acidentada e com muito gelo e neve, eu simplesmente parei. Não conseguia mais subir. Eu não estava mais com forças de levantar as pernas e firmar meus pés na neve com os crampones, comecei a sentir cãibras, estava molhada e com lama até o joelho.
Olhei pra cima e o guia que ia na frente já estava muito mais acima com a parte do grupo que conseguiu acompanhar o ritmo dele (duas montanhistas e um guri de 18 anos), eu estava com a outra metade do grupo que literalmente aos trancos e barrancos estava penando pra subir, e acho que foi nesse momento que desencadeou o desanimo e que acabou abraçando junto com o meu cansaço. Parei e disse ao guia que ia atrás que não conseguia mais subir e que ia esperar eles ali até voltarem.
Daniel – é o nome do guia e preciso mencionar o nome dele aqui porque ele foi realmente um anjo na minha vida naquele momento. Ele disse que de jeito nenhum eu ia ficar esperando ali sozinha, falei então pro Ricardo continuar sem mim e não se preocupar comigo porque o Daniel ia me acompanhar na volta. Fico pensando que se eu tivesse insistido mais, forçado mais, talvez eu tivesse conseguido chegar com todo mundo nas Torres. Talvez sim, talvez não. Mas ainda tinha a volta e que não era pouca, e certeza que eu ia ter problemas maiores, e pensando no coletivo, eu também não queria prejudicar o resto do grupo por isso. Foi a primeira vez que desisti de chegar até o final.
Acredito que essa trilha contou uma série de fatores: chuva (em primeiro lugar!), gelo, neve, lama, vento em alguns pontos, muitas subidas e descidas e o guia a frente que foi no ritmo dele e não do grupo. Eu já fiz muitos trekkings na vida, assim como nessa viagem que teve vários outros depois e sempre fui acompanhada de ótimos guias que respeitavam o tempo e ritmo de TODO o grupo, te incentivava nos trechos mais difíceis e pra mim isso conta muito, porque é com aquela pessoa que você está depositando toda a sua confiança e segurança durante o caminho.
Uma coisa interessante de estar na natureza é que a todo momento você está testando seus limites. Pode ser em escalas maiores ou menores, mas está sim. Mas penso que antes mesmo do limite tem que vir o respeito. O respeito pela natureza, no sentido de ter o cuidado ao desafia-la e o respeito, acima de tudo, com os limites do seu corpo e com você mesmo. É por isso que eu decidi parar e tudo bem porque não estava em uma competição. Eu poderia muito bem ter chegado aqui, contado todo o caminho e contar também que consegui chegar nas Torres, colocando as fotos que o Ricardo fez e ninguém ia questionar ou desconfiar. Mas essa não seria a minha história. Não seria a minha experiência com Torres Del Paine – ainda que não completa, mas também não menos importante.
E digo mais: apesar do cansaço, apesar do ritmo mais lento, apesar das inúmeras quedas (bicho, eu escorreguei no gelo e fui descendo de bundinha uma piramba na frente do guia que depois não conseguia mais levantar de tanto rir, que humilhação), eu aproveitei e vi muito mais coisas na volta do que na ida, então pra mim toda essa experiência valeu como um grande ensinamento de que principalmente está tudo bem se não conseguir mais porque isso não torna o caminho pior, que nem sempre é como planejamos porque todo o resto depende de uma serie de fatores, que não há nada de frustrante nisso porque afinal de contas é só olhar em volta e ver o quanto se está rodeada de coisas lindas, acho que essa é a graça da coisa sabe.
Se alguém leu esse post até o final, possivelmente deve ter se perguntado, se eu faria isso novamente e sem pestanejar com toda certeza eu diria sim, que faria de novo. Mas escolheria outra época entre primavera e verão porque com certeza seria mais fácil sem gelo, neve e lama. No mais, apesar de tudo, foi uma ótima experiência.
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