Quando nós fechamos a viagem pro Deserto do Atacama, entre todos os passeios que pesquisei, eu queria fazer algo que fosse mais… Como posso dizer? Algo mais ousado… Que pudesse testar meus limites ou chegar perto disso. Queria algo mais pancadão, sabe. Eu tinha pesquisado muito sobre o trekking ao vulcão Lascar (um dos vulcões AINDA ATIVO do Atacama) e fiquei doida pra fazer. Fechamos esse com a Ayllu, porém quando chegamos lá, fomos informados que a estrada que leva ao vulcão estava fechada por conta da neve e provavelmente ia continuar assim por mais um mês. Esse ano foi bem atípico no Atacama: teve muita neve e chuva, algo que não acontecia há anos e isso em meados de julho atrapalhou um pouco a vida de quem viajou pra lá. Fiquei chateada quando soube disso, é possível ver o Lascar por muitos lugares e bem pela manhã dava pra ver uma fumacinha saindo dele, foi um dos passeios que eu mais estava esperando, mas aí nos deram outra opção: Cerro Toco. Cerro Toco é um estratovulcão (ou seja, vulcão em forma de cone que são formados de camadas de fluxo de lava, cinzas e blocos de pedra) que não está mais ativo e o cume está a 5604 metros acima do nível do mar. A caminhada leva mais ou menos de 1:30 à 3 horas pra subir e mais ou menos 1 hora pra descer, é mais suave de subir que o Lascar segundo as informações passadas à nós (ahahahahaha eu tô rindo aqui sozinha porque vou chegar nessa parte), mesmo Cerro Toco sendo maior na altitude.
Então vamos pra Cerro Toco.
Por recomendação deixamos esse pro ultimo dia no Atacama, assim o corpo estaria mais aclimatado. Um dia antes fizemos uma pequena reunião com nosso guia que nos passou as condições do tempo (-10 graus durante o trajeto e -15 no cume), roupa adequada pra suportar o frio, o que levar, alimentação e alguns cuidados antes de ir. Na sexta feira o guia passou pra nos pegar cedinho e era pra ter ido mais um casal com a gente, mas eles acabaram desistindo, então fomos só nós 3. A viagem de carro durou mais ou menos 1 hora e como sempre passando por lugares incríveis, chegando lá começamos a nos preparar pra subida: gorro, paninho de proteção pra nariz e boca por conta do vento, óculos (indispensável), meias e luvas térmicas (que eu não tinha e o guia providenciou pra gente), capacete e na mochila apenas o necessário: um lanche, um saquinho bem farto de frutas secas e oleaginosas, uma barrinha de chocolate e um Gatorade de 1 litro. Paramentados, recebemos 1 bastão de trekking pra cada mão (descobri que isso realmente faz uma TOTAL diferença) e o plano era: primeiramente não morrer (ahahaha brincadeira), caminhar os 40 primeiros minutos sem pausa, depois uma pausa rápida pra tomar algo, comer umas frutinhas secas e continuar. Como caminhar em lugares assim? Passos lentos (SEMPRE!), curtos e sempre respirando devagar – conforme as passadas, não é nada parecido como se caminha na cidade, por exemplo, e menos ainda trote rápido, apenas.caminhar.devagar. Se alguém se sentisse mal era só falar, o tempo de cada um seria respeitado.
E aí fomos. Os primeiros minutos foram meio confusos pra eu ajeitar minha passada com o bastão de trekking, uma vez que coordenação nunca foi um ponto forte em mim. Rola todo um esqueminha da passada com o movimento dos bastões, mas logo me ajeitei com isso e fui. Se ajeita, sobe, respira, sobe, sobe, sobe, respira – NOSSA! QUE FALTA DE AR, NÃO TEM AR AQUI!!!! e tão logo eu também encontrei o famigerado MAL DA MONTANHA. Bom, eu já sabia que isso ia acontecer (porque 5 mil, 600 e lá vai pedrinha acima do nível do mar, fora que o Atacama já está a 2400 metros acima, é meio que né… bem previsto disso acontecer). Eu tenho um certo trauminha com esse lance de mal da montanha porque a primeira vez que senti, eu não sabia o que era e achei que estava mesmo tendo um treco (em Portillo – 2010), vomitei, não consegui comer, muita tontura e fiquei toda malzona mesmo. Em Cerro Toco não seria diferente os sintomas, o ar ali é (bem mais) rarefeito, mas eu já sabia como lidar melhor com isso. A gente estava numa subida, estava bem frio, porém, nesse aspecto foi relativamente tranquilo porque estávamos bem agasalhados, mas mesmo que você queira ou tente andar mais rápido não é possível, e não pelo caminho em si, mas realmente por conta da altitude: você sente uma pressão enorme na cabeça, dor de cabeça, batimentos acelerados, tontura e falta de ar. Não é uma sensação necessariamente que te leve ao desespero, mas assusta um pouco… Por isso que eu acho que a mente nessas horas conta tanto quanto o físico.
Fui prestando atenção nas minhas passadas, sincronizando com minha respiração e mentalizando musicas e muitas coisas boas dos momentos daquela viagem e ao longo da minha vida, pensei nos meus gatos, num banho quentinho quando pegávamos trechos com muito vento ahahaha enfim… é praticamente uma meditação e um ótimo exercício pra mentes ansiosas como a minha. Durante essa primeira etapa eu não pensei em tempo, simplesmente fui vivendo cada passo que eu dava, mas a uma certa altura eu tive que parar e respirar mais fundo, aí sim perguntei ao guia quanto tempo ainda faltava e ele disse: “nenhum, acabamos de completar os 40 minutos” UFA!!! Eu estava com a respiração e o coração muito acelerado, por um mísero segundo achei que não conseguiria, mas tratei logo de tirar esse pensamento negativo da minha mente, porque é lógico que eu ia conseguir, eu estava alí pra isso e queria testar meus limites, certo? Tomei um pouco de Gatorade, não quis comer o chocolate e o guia foi me orientando a inspirar pela boca e soltar devagar o ar pelo nariz pra equalizar minha respiração, além é claro, isso junto com os milhões de incentivos, dizendo que nós estávamos muito bem pelo tempo e distância que já tínhamos feito e isso AJUDA muito em um momento como esse.
Feito isso, continuamos nosso trekking. Teríamos mais uma hora pela frente (mais ou menos) e dessa vez alguns caminhos com um pouco mais de neve, mas nada muito tenso e deu pra fazer de boa (mais uma vez: bastões de trekking ajudam MUITO nessas horas). O objetivo do momento era: caminhar, respirar, não desmaiar, caminhar, respirar, não desmaiar ahahahaha, parei mais umas 2 ou 3 vezes, equalizei minha respiração e continuei… Desistir não tinha nem sequer passado pela minha cabeça, mesmo nos momentos mais complicadinhos. Eu só pensava em conseguir e conquistar o cume seria o meu prêmio, a minha superação. Fizemos mais uma pequena pausa e o guia nos disse: “Falta pouco! É alí (e apontou), só mais 200 metros e chegamos, bora conquistar esse cume?” Nessa hora eu acho que a sensação que dá deve ser a mesma quando se alcança o auge de uma meditação ou algum outro momento que você simplesmente se deixa levar, eu não consigo bem explicar o que exatamente de tão maravilhoso invadiu em mim nessa hora, mas acho que se o mundo tivesse acabado alí, naquele minuto, eu teria continuado minha caminhada mesmo assim porque naquele instante, era somente aquilo que importava pra mim. Acho que a corrida também proporciona muito disso, mas pra mim ali ainda era bem diferente porque eu não estava no meu “território” habitual e não estava fazendo algo que estou acostumada a fazer, entende?
E aí anda mais um pouco, respira mais um pouco, anda, anda e então chegamos. Eu não consigo por em palavras a sensação louca que é de chegar no cume de uma montanha, ao mesmo tempo que você se sente grande por ter conseguido, você se sente tão pequeno quanto um grão de areia também, porque é só olhar em volta e sentir como somos tão insignificantes em relação natureza, ao mundo e ao universo. Super piegas eu ficar retratando essas emoções, eu sei, e mais piegas ainda foi quando eu sentei numa pedra pertinho de uma pirambeira e comecei a chorar (é lógico que eu ia chorar, alguém ainda tinha duvida disso? ahahaha), mas são registros meus que eu gosto de deixar aqui. Com certeza foi uma superação pra mim, de todos os trekkings e trilhas que já fiz, Cerro Toco foi o mais emocionante de todos e o que mais mexeu comigo. A volta foi bem mais curta, o que não quer dizer que foi ao mesmo tempo fácil. O Rick e o nosso guia desceram como se estivessem apenas descendo uma escada, eu que sou mais comedida (leia-se medrosa), fui bem mais devagar. Quer dizer, foi e não foi mais fácil. Descida sempre tem aquilo de firmar o pé antes de dar o passo seguinte pra não sair rolando até ir parar na cidade e como o caminho da volta era cheio daquelas pedrinhas soltas, isso me rendeu um escorregão, nada sério, mas o Claudio (o guia) disse que sendo assim eu já poderia ter minha propriedade em Cerro Toco, é tipo um “batismo” pra quem leva algum tombo ou escorregão nas montanhas ahahaha.
A volta nos despedimos de Cerro toco e com uma vista linda de Licancabur (que está ainda nos meus planos) e depois de toda a experiência, penso que foi bom o vulcão Lascar não ter dado certo dessa vez, o trekking dele é um pouco mais difícil e leva mais tempo, eu teria conseguido ele também, mas teria sofrido mais. Algumas coisas que preciso mencionar: faço academia, corro e mesmo assim, não foi algo fácil pra mim. Eu acredito que Cerro Toco seja um trekking acessível pra (quase) todos, mas tenha em mente os perrengues também, porque como disse lá em cima: a mente é tão importante quanto o preparo físico e se você não estiver com o coração aberto pra isso, não vá. Outra coisa que preciso contar: o silêncio! Sim, o silêncio. Tanto quando estávamos subindo como quando estávamos descendo, é um silêncio que poucas vezes você sente na vida, principalmente quando se vive em cidades como a grande maioria de nós, a gente de certa forma se acostuma e aprende a viver com barulhos, mas o silêncio numa montanha chega a ser latente, a única coisa que você escuta são seus passos, mas o silêncio em volta chega a ser hipnotizante. Pra terminar esse post vou deixar uma música do RadioHead que viemos ouvindo na volta e me marcou muito. Esse dia está 10/10 na lista de coisas inesquecíveis em viagens.
Só pra título de curiosidade, essas são as altitudes de alguns vulcões do Atacama:
Lascar – 5500 metros de altitude
Cerro Toco – 5604 metros de altitude
Putana – 5890 metros de altitude
Licancabur – 5910 metros de altitude
Sairecabur – 5971 metros de altitude
San Pedro – 6145 metros de altitude
Aucalquincha – 6176 metros de altitude
Ojos del Salado – 6887 metros de altitude
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